PALAVRAS
Vive o teu silêncio
à flor do que não esqueces,
dizia-me.
Eu sabia
das coisas por detrás das palavras
e sorria-lhe de dentro das letras que vestia de negro.
De todas as palavras
que jamais nasceram
só as do papel me sabiam a verdades.
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NOS DEDOS DO VENTO
Vêm duras e ásperas
Nos dedos do vento
Quando o vento se esquece de nos vir beijar.
Vêm desmentindo
A improbabilidade da violência
E renascem de encontros ficcionados
No vértice das almas.
Vêm pontualmente cruas,
Inevitavelmente rígidas,
Chicotear a saliva dos beijos adiados.
Mas vêm
E morrem de seguida
Onde a vontade derruba
A mais perfeita das sincronias.
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FALA COMIGO DEPOIS DO ESQUECIMENTO
Quando as noites se encherem
Dos veludos da lua,
Fala-me então dos líquidos abismos…
Conta-me
Da sonoridade de todos os silêncios,
Das tonalidades da escuridão,
Do pressuposto precipício
Escavado no final de cada palavra.
Diz-me
Do cheiro vislumbrado nas asas dos anjos,
Do sabor dos ecos mais prolongados,
Do toque sedoso de uma abstracção…
Fala-me então
Mas deixa que me esqueça
Antes que as noites se encham dos veludo da lua
E os líquidos abismos
Derrubem o que resta da minha vontade.
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AS ASAS DOS PÁSSAROS INVISÍVEIS
De vez em quando
Descobrimos que as coisas nos descobrem
E que as descobertas
Cabem no punho fechado dos meninos
Acabados de parir.
De quando em vez
Descobrimos que a vida tem sabores
Iguaizinhos aos dos gelados
Da nossa infância
Acabada de revisitar
Porque todos os dias
Há pássaros de asas invisíveis
Que vêm contemplar-nos o sono
E adormecem nas esquinas
De um pesadelo que não chega a nascer.
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UMA MORADA POR DETRÁS DO ESPELHO
Quase todos os homens têm Uma morada por detrás de um espelho. Nem todos se aventuram A pernoitar nela, Mas todos a construíram Com maior ou menor Grau de esforço e consciência. Quando a tormenta Abala a morada visível, A maioria refugia-se Na casa que o espelho protege Embora Em quase todos os casos O espelho reflicta a própria tormenta… Noutros, porém, a tormenta Nunca chega a atingir A superfície de quase todos os homens Que se aventuram a reflectir.
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AB INITIO III
Há muitas ruas atrás,
Quando o tempo não decorara ainda
O nome de todas as coisas
E era demasiado cedo
Para que os beijos mordessem
A periferia dos corpos maduros e acesos,
Havia botões de rosa a despontar
Nas estrelas mais longínquas
E as florestas proliferavam
dentro dos corações dos elfos...
Antes disso,
Apenas meia dúzia de sementes
Despontavam teimosas do caos
Que prenuncia o começo
De toda a criação...
Maria João Brito de Sousa - 22.02.2010