ABUTRES E BEIJA-FLORES
Via-os por ali
Hilariantes,
Patéticos fantasmas de abutres
Babando-se de incontida curiosidade
Via-os
Quando se dava ao trabalho de olhar,
Se se dava ao trabalho de olhar
Inacreditáveis somatórios
De infortúnio e pobreza
Muito bem vestidos,
Muito míopes,
Muito desequilibrados,
Muito bêbados
Muito opinativos
E muito pouco inteligentes
Umas vezes
Irritavam-no,
Noutras
Enchiam-no de pena
Alguns,
Mais puros
Do que o bando comum
Pousavam devagarinho
E ficavam
Na imobilidade nervosa
Da sua timidez.
Pequenos beija-flores
Que não chegavam
A beijar coisa nenhuma,
Raros,
Silenciosos,
Bem-intencionados
E belos
Na esmagadora maioria
Dos dias
Nem sequer os via
Muito embora por lá continuassem
Simulando
Uma indiferença
Que só a ele
Legitimamente pertencia.
Maria João Brito de Sousa – 29.08.2010 – 01.54hs
IMAGEM - Stuart Carvalhais
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AONDE A RAZÃO TE NÃO RESOLVE
Sinto-te
Aonde a razão te não resolve
E o silêncio te desenrola
As infinitas páginas
De um tempo universal
Vejo-te
Como se não fosses
Ou fosses
Mas, não sabendo,
Te limitasses a estar
Oiço-te
Como se a tua essência fosse o som
E som
Fosse tudo o que tu és
Se te não sentisse,
Se te não visse,
Se em vez de te ouvir
O silêncio
Te pintasse de tons invisíveis
E a razão te explicasse
Se não estivesses mesmo…
De onde me viriam estas minhas palavras?
Maria João Brito de Sousa – 27.08.2010 – 00.14h