PARA QUE CONSTE
Para que conste;
Eu tenho veias, carne
E sonhos como os vossos
Mas jamais escreverei
Sobre estrelas
Que não tenha conhecido desde sempre
Um longo esteio de velas desfraldadas
Nos murmúrios de um imaginário-racional
Precede o olhar com que contemplo o mundo
Para vo-lo devolver um pouco menos mau
Não aceito,
Para que conste,
Que um único de vós me acuse de um ócio
Engendrado por mentes saciadas
[muito embora inconscientes
da sua futilidade]
Para que conste,
Produzo
Tanto ou mais
Do que as mãos de outro qualquer
E consumo
Invariavelmente menos
Do que o corpo ou a mente
Da maioria de vós
Para que conste,
Por vezes as tardes doem-me
Como folhas de Outono
No mármore do tempo
Mas nenhum medo me conquista o estro
Enquanto acreditar
[PARA QUE CONSTE]
Maria João Brito de Sousa – 23.10.2010 – 23.14h
Na fotografia - Eu, ao colo da Aurorinha.
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DIAS...
Despenham-se na acidez das manhãs
Íngremes e imprevisíveis
Como as águas de Abril,
Condensando-se,
Depois,
Em amarelos muito claros
Vejo-os na semi-lucidez do acordar,
Antes da lenta queda
Do elevador singular
E intermitente
Voltam,
Depois,
Suspensos no mel
Dos olhos dos gatos omnipresentes
E dispersam-se por todos os lugares nenhuns
Com urgências de pólenes ao vento
Caem, por vezes,
Como inexplicadas pedras
No interior das confortáveis ausências
Que se sublimam em alegres,
Subversivas criações
Prolongam-se na comunicação
Em gargalhadas
Ou muito raras lágrimas
[conforme o cerne das alheias horas]
Na mesa concêntrica onde se cozinham percursos
Enquanto se bebem demorados cafés
Continuam,
Sempre,
Até soçobrarem,
A Oeste de mim,
No azul líquido
Que se veste de luminosidades artificiais
E morrem,
Inevitavelmente,
No momento pendular de todas as renúncias
Renascerão mais tarde,
Um a um,
No imprevisível sopro da permanência consentida.
Maria João Brito de Sousa
NA FOTOGRAFIA - A minha mãe, eu, com dez anos, e a minha irmã, Maria Clara.