PRONTO-A-COMER
Quando o dedo do tédio
me aponta as entranhas das coisas vazias,
esquivo-me ao derradeiro anzol
e devoro poesia.
Há sempre uma vertigem
quando a refeição
é um vislumbre de saudade
que agarro, tempero
mordo e saboreio
em gestos competentes,
convergindo na degustação das rimas
tantas vezes bravas,
amargas e ásperas,
colhidas nas margens do acaso,
sem forma, sem textura,
a saltar da previsível marinada da reflexão
para a combustão inevitável
da mastigação do primeiro texto que me seduza
sobre a bandeja da fome imperativa
prato-poema
…ou rábula de um tédio
que nunca assombrará
as entranhas vazias
de uma saudade-coisa-aprisionada
por anzóis que a impedirão de ser provada
antes da assimilação do último dos versos
Maria João Brito de Sousa – 24.04.2011 – 17.48h
Imagem retirada da internet
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SEM MEIAS-TINTAS
Eram simpáticos,
medianamente simpáticos
nos seus cumprimentos
e nos seus sorrisos
mais ou menos artificiais,
mais ou menos impostos,
mais ou menos convenientes
Ele,
a partir desse dia,
aborrecera
flores, lacinhos, veludos e doirados…
aborrecera os meio-doces
rebuçados de hortelã-pimenta,
as meias-criações,
as meias-paixões,
as meias-convicções
e todas as meias-tintas
que perturbassem
o canto genuíno do melro,
o uivo do lobo absoluto,
o rosnido do lince interior
Sequóias!
Ainda se lhe dessem sequóias
de raiz presa à terra
como as vozes dos deuses menores…
Ainda se lhe dessem
esses arranha-céus de fibra e floema
que aspiram aos longes dos astros
mais ou menos longínquos
e lhe renovassem a promessa
de ascender com eles…
Mas tudo o que se lhe cumpria
eram aqueles meios sorrisos,
aqueles rictos e rituais
mais ou menos postiços
que afirmavam
agradar ao Deus sem tamanho
a quem atribuíam
todas,
todas as autoridades,
excepto a de aborrecer
as meias-genuinidades
Maria João Brito de Sousa – 07.04.2010 – 19.00h