QUE PENA! - Um poema anti-poético e egoísta, para quando fizer falta rosnar
Que pena!
Tenho tanta pena de ter pena
dos olhos de luar que não tiveste,
da refeição frugal que não fizemos
no tal dia em que não nos encontrámos
Dessas mãos de sal que te não vi,
sublimando a saudade em gestação,
subiria – talvez…- o aceno prometido
ou nem sequer esboçado, à força de tardio
Nos teus lábios que nunca experimentei
- porque não eram lábios
os riscos trémulos e desbotados
que jamais desenhámos
sobre a suspeição do beijo…-
um sorriso clonado
de todos os esgares que lhe foram anteriores
Que pena das horas que não passámos juntos
nessas manhãs,
essas que nos encerram
na urgência banal e rotineira
- tão desmesuradamente banal e rotineira! -
do desejo insuspeito
que adivinho
no refrão de cada cantilena
e das tardes,
- quem sabe? -
atarefadas, urbanas, burguesas,
passeando entre o plano do fogão de quatro bicos
e a perpendicular do mar
- desse mar que só pode ser olhado por um de cada vez -
aborrecendo o momento seguinte,
barulhentas, conflituosas e – porque não? -
tão exactamente iguais às tardes que são as dos outros
Mas pena,
pena a sério,
pena crua e inenarrável,
daquela que magoa,
rasga por dentro e deixa cicatriz,
Pena teria eu de não ter podido ser quem sou!
Maria João Brito de Sousa – 28.05.2011 -14.47h