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O OUTRO LADO DO POEMA

Quinta-feira, 15.09.11

O OUTRO LADO DO POEMA

*

Foi do outro lado do poema

que te falei do tapete puído das metáforas

e das mãos crispadas sobre o segredo das horas:

 tudo isso estava lá

e

ainda

o que nem eu poderia decifrar

Foste tu quem o não soube ver…

Resmungas?

Que culpa tenho eu se a inércia te prendeu

aos floreados da capa de papel de seda,

à estampa introdutória,

à tampa do baú dos insuspeitos suspiros?

Que culpa tenho

se por aí te ficaste

embevecido, cego, enfeitiçado?

 *

Como se a magia da forma

desistisse ali mesmo,

onde termina a aparência do poema

e onde se determina que o poema é aparência

 *

Os poemas,

incauto,

redefinem os corpos a cada por do sol

e saúdam o luar dispersos em mil faces,

mil arestas, mil vértices 

São punhais

que às vezes arredondam

para não ferir a lua

pois só a ela pouparão o impacto perfurante

das verdades mais cruas e vorazes

*

 

Isso deverias sabê-lo tu,

não eu que nada conheço da geometria do desejo

para além da elevação do sonho

ao cubo de si mesmo

e

penso vir a morrer de uma anunciada indigestão

de puríssima ignorância

*

 

Mas teria sido exactamente aí,

na face que te esqueceste de ler

 das profundezas que não soubeste adivinhar,

que ele te teria falado até que não pudesses suportá-lo

e

o reduzisses à forma inicial

(caso ele se apiedasse da tua comoção)

*

 

Teria sido aí

que ele te mostraria

a inevitabilidade das coisas transmutadas

pelos olhos do leitor

até ao infinitamente absurdo

que é

e será sempre

a causa primeira de todos os insondáveis gestos de um poema

 *

Agora,

agora sei lá quantas luas se passaram,

quantas arestas se multiplicaram,

quantos vértices se não arredondaram

e

quantos olhos

que não os teus

o espalharam por aí, em estilhaços,

na órbita irregular de todos os acasos...

 *

E tu,

incauto,

ainda não compreendeste

que um poema é um poço sem fundo,

um abismo aberto sob a vertigem dos sentidos,

uma montanha invertida

por escalar

e um punhal apontado ao coração do conformismo?

 *

 

Maria João Brito de Sousa 

15.09.2011 – 04.42h 

***

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publicado por Maria João Brito de Sousa às 04:49








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