O OUTRO LADO DO POEMA
O OUTRO LADO DO POEMA
*
Foi do outro lado do poema
que te falei do tapete puído das metáforas
e das mãos crispadas sobre o segredo das horas:
tudo isso estava lá
e
ainda
o que nem eu poderia decifrar
Foste tu quem o não soube ver…
Resmungas?
Que culpa tenho eu se a inércia te prendeu
aos floreados da capa de papel de seda,
à estampa introdutória,
à tampa do baú dos insuspeitos suspiros?
Que culpa tenho
se por aí te ficaste
embevecido, cego, enfeitiçado?
*
Como se a magia da forma
desistisse ali mesmo,
onde termina a aparência do poema
e onde se determina que o poema é aparência
*
Os poemas,
incauto,
redefinem os corpos a cada por do sol
e saúdam o luar dispersos em mil faces,
mil arestas, mil vértices
São punhais
que às vezes arredondam
para não ferir a lua
pois só a ela pouparão o impacto perfurante
das verdades mais cruas e vorazes
*
Isso deverias sabê-lo tu,
não eu que nada conheço da geometria do desejo
para além da elevação do sonho
ao cubo de si mesmo
e
penso vir a morrer de uma anunciada indigestão
de puríssima ignorância
*
Mas teria sido exactamente aí,
na face que te esqueceste de ler
das profundezas que não soubeste adivinhar,
que ele te teria falado até que não pudesses suportá-lo
e
o reduzisses à forma inicial
(caso ele se apiedasse da tua comoção)
*
Teria sido aí
que ele te mostraria
a inevitabilidade das coisas transmutadas
pelos olhos do leitor
até ao infinitamente absurdo
que é
e será sempre
a causa primeira de todos os insondáveis gestos de um poema
*
Agora,
agora sei lá quantas luas se passaram,
quantas arestas se multiplicaram,
quantos vértices se não arredondaram
e
quantos olhos
que não os teus
o espalharam por aí, em estilhaços,
na órbita irregular de todos os acasos...
*
E tu,
incauto,
ainda não compreendeste
que um poema é um poço sem fundo,
um abismo aberto sob a vertigem dos sentidos,
uma montanha invertida
por escalar
e um punhal apontado ao coração do conformismo?
*
Maria João Brito de Sousa
15.09.2011 – 04.42h
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