NÃO TE JURO, PAI...
NÃO TE JURO, PAI...
*
Não to jurarei
pai
- já por cá não estás,
já te não lembras -
mas acredito que as mãos
as tuas mãos
voavam tanto como os seres alados
que era delas que as histórias fluíam
e que era através delas que me falavas
quando te ouvia
inteira
como ouvem as flores. os gatos
e as figurinhas de porcelana
com que mãe decorava as estantes dos teus livros
*
Que espécie de alquimia
me transformava assim
já to não sei dizer
e
repito
não to juro!
talvez a memória brinque comigo
ou os anos me pesem
mesmo quando me não doem assim
tanto
mas quase. quase te garantiria
- pudesses tu ouvir-me -
que era inteira
como estátua que ousasse um coração
que ouvia as tuas mãos
as tuas mãos eternas que nunca se calavam
*
Qualquer dia,
não mais
evocarei a voz das tuas mãos
longas. longas.
sobre as páginas dos livros
moldando palavras. fazendo desabrochar imagens
que só completa poderia ouvir
*
Por isso
pai
contradizendo-me
tão inteiramente como então
assumo as tais saudades que nunca soube sentir
e
ouço
estátua. flor. figurinha de porcelana
ou gato adormecido
ouço
as tuas mãos
perfeita e (e)ternamente as tuas mãos
nas palavras
que escrevo para ti.
*
Maria João Brito de Sousa
19.03.2012 – 11.38h
***