BRADO
Cresce puríssimo,
forte, ininterrupto,
claríssimo nas mãos imaculadas pelo uso
(porque apenas o uso lhes confere
a transparência das grandes, invencíveis compulsões)
Sábio, porque justo,
floresce, rompendo o húmus das palavras
ao dar-lhes o sentido de todos os sentidos
na lucidez dos que albergam paixões indomáveis
De todos nós
porque se sobrepõe a cada uma das nossas vontades,
se multiplica nas veias da terra
e se mistura à lava dos vulcões que vamos sendo
Não será detido
nos becos do receio,
nem ave nenhuma voará mais alto
do que esse eco
que
o vento,
zunindo,
transporta consigo
desde o mais profundo da nossa justíssima revolta
límpidas crescem as sílabas
que se desnudarão na invencibilidade do nosso brado!
Maria João Brito de Sousa - 27.09.2012 - 01.53
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NASCE, POESIA!
Porque o que sou
me não cabe nas mãos fechadas,
escorrem-me,
por entre os dedos,
estas sobras
do que recuso transformar
em gesto de troca,
artigo de compra e venda,
alimento, embriaguez, culto, ritual
e que és tu, Poesia.
Divinizam-te, alguns,
o corpo que não tens
no altar que insistes em não ser,
mas sei-te no cerne de todas as coisas,
escorrendo inevitavelmente
de todos os poros, por todas as frestas,
limpa, lúcida, viva, inexplicada…
Cantas, ainda,
onde a esperança morreu,
ressoas no vácuo, apesar de inaudível,
desdobras-te
em invisibilidades e vislumbres,
acendes-te, sublime,
no temor de cada escuridão.
Inútil, ou não… nasce, Poesia!
Maria João Brito de Sousa – 11.09.2012 -01.53h
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METÁFORA - O Manifesto
Eu digo-te
que o sol floresce limpo
sobre o estrume das aparências
e que as palavras são casas nas cidades da voz
digo-te
que as ruas são mãos a repousar,
que as coisas de pedra são canções
e que as canções são luas, de tão brancas…
dir-te-ei,
vez por outra,
que as plantas são mulheres e homens
cansados da colheita improvável,
que os dias – todos eles –
são movimento,
que as noites são o esconderijo
dos sonhos à espera de acordar
e que os muros são pontes entre agora e depois
falar-te-ei de passos sem distância,
de espaços sem medida,
de memórias sem tempo
e de gente sem medo de morrer,
mas jamais me ouvirás falar de renúncia
enquanto o murmúrio me for permitido
na cidade da voz libertada
Também a metáfora se come, se bebe
e não sabe render-se enquanto viva
Maria João Brito de Sousa – 03.09.2012 – 18.12h
Imagem retirada do jornal "Avante!" - Guernica, Pablo Picasso