MEMÓRIAS
Nessa noite
uma lua prenha,
rodando tão devagar
que qualquer olhar lhe atribuiria
a imobilidade do grafismo impresso,
deixou que uma nuvem cinzenta a tapasse
*
Depois,
sobre o louceiro da sala,
no aquário dos sonhos antigos,
um novo e inesperado peixe incolor
foi-lhe devolvendo a memória dos “crayons”
até que a insubmissão de uma mão imaginária
os quisesse e soubesse ressuscitar na vontade dos dedos
*
Fazia tanto frio
na floresta das cores
onde as horas, como agulhas,
lhe apontavam as conchas vazias
de mil gestos sem esperança de fruto...
*
Bastou
porém
que esse peixe
se agitasse levemente,
que uma palavra
espelhasse a cor da nuvem,
que as invisíveis raízes
suportassem o inevitável tronco,
que o impensável cilindro
se alongasse em ramos impossíveis,
que as velhíssimas memórias
se metamorfoseassem em folhas improváveis
para que
a substância do fruto
se viesse a tornar tão real
quanto aquela absoluta urgência
de o ouvir cantar
por dentro de outra novíssima criação.
*
Maria João Brito de Sousa – 02.02.2013 – 18.09h