NESTE DIA...
NESTE DIA
*
No dia que começa,
venho dizer-te bom-dia
e redescobrir-te o sorriso
na memória das sardinheiras,
quase murchas,
mas ainda vermelhas
nas conchas de barro em que as plantavas,
Mãe
*
Venho,
neste dia de memórias,
lembrar-te, mais uma vez,
que te amo
e,
agora que não sei
se és nem onde és,
confessar que sempre te considerei
demasiado rendida à superfície das coisas,
alheada das raízes do tempo,
presa ao lado de cá
das janelas de onde brotam os sonhos
que transcendem a luta pelo abraço imediato,
Mãe
Mas isso era eu…
eu quando,
pequenina como as sardinheiras,
enlaçando uma raiz sem tempo,
desprezando todas as janelas,
me esquecia
- também eu e até eu! -
de não poder julgar-te
porque, afinal,
eras tu quem as plantava sorrindo,
sem suspeitar,
sequer,
que pudessem render-se e murchar,
Mãe
*
Hoje,
dia da criança,
dia em que não sei se és,
nem onde és,
mas não esqueço que foste,
uma lágrima, só uma, como tu,
que tanto temias a morte
e
te deixaste levar
antes de teres podido aprender
o segredo das flores que aceitam
abraços de um outro espaço
por detrás das janelas,
muito depois da superfície das coisas - tantas! –
que nunca chegaste a descobrir,
Mãe
*
Resta-me,
vermelho como as sardinheiras,
o teu sorriso espelhado na vidraça,
enquanto,
nesta lágrima tão única como tu,
tão enraizada quanto o tempo,
hoje como dantes,
Mãe,
teimo em (d)escrever-te para além da espuma das palavras
*
Maria João Brito de Sousa – 01.06.2011 – 09.29h
Reformulado em 04.05.2014 a partir do original de 2011