SEM MEIAS-TINTAS
Eram simpáticos
medianamente simpáticos
nos seus cumprimentos
e nos seus sorrisos
mais ou menos artificiais
mais ou menos impostos
mais ou menos convenientes
Ele
a partir desse dia
aborrecera
flores, lacinhos, veludos e doirados…
aborrecera os meio-doces
rebuçados de hortelã-pimenta
as meias-criações
as meias-paixões
as meias-convicções
e
todas as meias-tintas
que perturbassem
o canto genuíno do melro
o uivo do lobo absoluto
o rosnido do lince interior
Sequóias!
Ainda se lhe dessem sequóias
de raiz presa à terra
como as vozes dos deuses menores…
Ainda se lhe dessem
esses arranha-céus de fibra e floema
que aspiram aos longes dos astros
mais ou menos longínquos
e lhe renovassem a promessa
de ascender com eles…
Mas tudo o que se lhe cumpria
eram aqueles meios sorrisos
aqueles rictos e rituais
mais ou menos postiços
que afirmavam
agradar ao Deus sem tamanho
a quem atribuíam
todas
todas as autoridades
excepto a de aborrecer
as meias-genuinidades.
*
Maria João Brito de Sousa – 07.04.2010 – 19.00h
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CADA POEMA
CADA POEMA
*
Cada poema
Tem asas de papel nascendo incertas
Como velas rumando à descoberta
Da Ilha de S. Nunca da partida
*
Quando ressurge
Muito embora vencido é temerário
Como a luta tenaz de cada operário
Que aspira à igualdade prometida
*
Onde um termina
Começa um outro verso inevitável
Cada um deles gerando um infindável
Rosário de memórias de uma vida
*
Cada poema
Tem alma de mulher, corpo de chama
De onde irrompe uma voz que então proclama
O culminar da luz na pele rendida
*
Cada poema
É raiva, urgência, amor,
Silêncio, grito e voz da mesma dor
Numa explosão domada ou incontida
*
Cada poema
É mais do que uma inércia ou um transporte,
É eixo, é a matriz deste suporte
Das minhas transgressões de fera ferida
*
Cada poema
Tem sempre a dimensão de um corpo estranho,
Imensurável, pois não tem tamanho,
Porta-voz de uma força indesmentida
*
Quando ressurge
Muito embora vencido é temerário
Como a luta tenaz de cada operário
Que aspira à igualdade prometida
*
Onde um termina
Começa um novo verso inevitável,
Cada um deles gerando um infindável
Rosário de memórias de uma vida.
*
Maria João Brito de Sousa – 16.09.2010 – 14.38h
Parto da Viola, Amadeo de Souza-Cardoso