FIGURA DE PROA (poema descritivo de um sonho real)
Pinta-se o céu de negras aguarelas;
Rasgam-no, de alto a baixo,
Centelhas amarelas
E grita irada, a voz de algum trovão.
Na praia choram
As mulheres dos pescadores
E sou, no sonho, a Figura de Proa
da barca de insuspeitos pecadores...
Eu, que tenho medo
Dos líquidos abismos
E da dureza impenetrável dos rochedos,
A condenar-me a morrer de mil medos
Num negro mar que me desconhecia...
E, do fundo do mar, um deus rugia:
- Por mim não passarás impunemente!
Mas oiço a minha voz que lhe pedia:
- Salve-se, ao menos, a tripulação!
Reboa a gargalhada em que o deus respondia:
- Quem és, insignificante criatura,
Que prezas vida que não seja a tua?
- Sou quem da barca se fez capitão,
E, por amor de quem nela labuta,
Tomo o seu leme nesta minha mão!
Neptuno troça, mas abranda a fúria,
Vulcano cala as vozes do trovão
E a Barca, então, balança, docemente,
Como se o Universo inteiro, de repente,
Se comovesse com tal devoção...
Maria João Brito de Sousa - 1993 (?)
Nota - Poema reformulado a 21.12.2015