HERANÇA
Avô,
Porque me deixaste
Tanto tempo antes de partir de verdade?
*
Nenhum de nós tinha na mão a tua sorte
E se algum dia te desejei a morte
Foi para te libertar duma vida estagnada,
Para que procurasses a Sereia Encantada,
O Anjo Azul que te convidou para jantar
E a Ilha Deserta que, enquanto vivo, não pudeste encontrar
*
Dos piratas malaios com quem brincavas
Em menino
Deixaste-me a cor da pele,
O negro dos cabelos
E o vago olhar felino
*
Sempre que embarco na tua Jangada de Luar,
Oiço as ondas que me pedem contas
Das tuas rimas vivas como o mar,
Desses teus versos líquidos, salgados
E
Só sei responder-lhes
Que te vi partir de olhos fechados
Que,
De ti,
Só sobraram
Os meus pobres poemas naufragados
Numa praia de areia calcinada
Onde me encontro com os mortos que voltaram
Pr`a perguntar-me da tua morada
*
Maria João Brito de Sousa - 1992
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NÃO ACREDITO!
NÃO ACREDITO
*
Não acredito,
mas sei,
que há almas transparentes como o ar,
que há sereias e tritões
no mais profundo do mar
e que as fadas,
às vezes,
me vêm visitar
*
Não acredito,
mas sei,
que a morte é uma fronteira
e
logo a seguir a ela
mora a vida derradeira...
*
Não acredito,
mas sei,
que há bruxas, gnomos, duendes,
que vêm repreender-me
por viver tão alheada
dessa realidade alada, virtual, imaginada,
mas que está sempre presente..
*
Maria João Brito de Sousa - 1992