DIAS
Despenham-se na acidez das manhãs
Íngremes e imprevisíveis
Como as águas de Abril,
Abreviando-se, depois, em amarelos claros.
Vejo-os na semi-lucidez do acordar,
Antes da lenta queda
Do elevador singular e intermitente.
Voltam, depois,
Suspensos no mel
Dos olhos dos gatos omnipresentes
E dispersam-se por todos os nenhuns lugares
Com urgências de pólenes ao vento.
Caem, por vezes,
Como inexistentes pedras
No interior das confortáveis ausências
Que se sublimam em alegres, subversivas criações.
Prolongam-se na comunicação
Em gargalhadas
Ou na raridade das lágrimas
[conforme o sumo das alheias horas]
Na mesa concêntrica onde se cozinham percursos
Enquanto se bebem demorados cafés.
Continuam, sempre,
Até irem soçobrando, a oeste de mim,
No azul líquido que se escurece de luminosidades artificiais
E morrem, inevitavelmente,
No momento pendular de todas as renúncias.
Renascerão mais tarde,
Um a um,
Num sopro súbito de permanência consentida.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A AULA
Semeiam mil palavras e conceitos
Na vertical dos sonhos
Que ninguém, ainda, derrotou
Interagem em espaços a-dimensionais
Onde as vontades se esbatem na inércia das horas
E somam multiplicações
Onde a divisão se remete
Para a pequenez do pátio de recreio
No grito-zumbido da campainha.
Aulas. Aulas como promessas
Do que ainda lhes não foi negado.
Depois, só depois começa a aula.
Autoria e outros dados (tags, etc)
CONTRA-DICÇÃO
Como pode ele sorrir se a terra treme
E há crianças violadas na esquina dos medos?
Como pode nascer-lhe a gargalhada
Sobre a lucidez trémula do peito?
Como pode, sequer, esboçar o sonho
Se lhe semearam, no patamar dos olhos,
Pedaços de irmãos dispersos como folhas?
Como pode ainda ver, se lhe encheram os pulmões
Do acre das tragédias gratuitas pintadas de doce?
Como pode?...
Autoria e outros dados (tags, etc)
MARGINALIDADES
Desenham-se-lhe desejos como avejões
Num além sinistro e confuso,
Revolto e vermelho escuro.
Assim se lhe crispam as mãos
Sobre o róseo do perecível
E se eterniza a necessidade
Na destruição do construído.
Morrem-lhe os dedos
No cume de si mesmo,
Ultrapassa-se no róseo
Avermelhado de outra crispação
E morre, depois,
Exausto como um pôr-do-sol
Exactamente no auge
Do que jamais havia desejado.
Renascem as perguntas.