NÃO ACREDITO!
NÃO ACREDITO
*
Não acredito,
mas sei,
que há almas transparentes como o ar,
que há sereias e tritões
no mais profundo do mar
e que as fadas,
às vezes,
me vêm visitar
*
Não acredito,
mas sei,
que a morte é uma fronteira
e
logo a seguir a ela
mora a vida derradeira...
*
Não acredito,
mas sei,
que há bruxas, gnomos, duendes,
que vêm repreender-me
por viver tão alheada
dessa realidade alada, virtual, imaginada,
mas que está sempre presente..
*
Maria João Brito de Sousa - 1992
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PARA TE AMAR, POEMA...
PARA TE AMAR, POEMA
*
Nenhuma montanha
será demasiado alta
para te amar,
poema,
para te amar,
tão só…
*
e decido-me a deixar-te tombar…
Na queda confundem-se
flor e pássaro,
tempo e modo,
metáfora
e urgência real de não chegar ao fim
*
Porém,
tudo não dura mais do que a palavra
que,
num súbito recuo,
opto por não deixar cair.
*
Salvo “in extremis”
no segundo imediatamente anterior
ao impacto derradeiro,
devolvo-te às asas a que sempre pertenceste
e enfrento,
mais só do que nunca
porque consciente e lúcida,
o maior de todos os riscos
no crescente declive das banalidades
*
É tempo de dormir.
Amanhã será um novo dia
para te amar,
poema,
para te amar,
tão só…
*
Maria João Brito de Sousa – Poema manuscrito a 24.12.2012 – 02.00h
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QUANDO?
Não vivia como as mais das vezes,
Quando as palavras se lhe derramavam
Na fluidez dos ponteiros do tempo.
Procura-as, agora,
Na improbabilidade do que dispensara
No sempre de um espaço
Que persiste num ressurgimento
Ténue como um reflexo distorcido.
Sabe-se sem se saber
Na incompletude da sua memória.
Os acasos ficaram pelo caminho
Atrás do muro
Que nenhuma ponte, agora, atravessa.
Persiste, mas pouco.
Reconstrói quase nada.
Emenda-se constantemente.
Equilibra-se no desequilíbrio
Das fronteiras que surgiram contra-natura.
Hoje, porque amanhã…
Quando é?
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HORAS ANTIGAS
Sobravam-lhe as horas
Noprolongamento do reflexo
Em indesmentível declínio.
Ali, onde os espelhos
Nasciam dos vidros das montras
E das poças de água nas calçadas
Descalças de sonhos,
Sobravam-lhe luas e amantes
Nos ambíguos desamores
De cada fim de tarde.
Amanhã seria tempo
De sobrarem mais rugas de expressão
Na expressão de todas as horas.
Maria João Brito de Sousa - Julho, 2009
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QUASE, QUASE...
Sobrevoam-se passeios e canteiros,
A alma a diluir-se,
De partida, por entre pedras, caules e outras gentes.
Alheia. Cada vez mais,
Quase, quase a terminar ali,
Onde os longes se fundem em nós,
Onde as ausências são omnipresentes.
Ali, onde quase, quase,
Se destilam sensações,
Onde quase, quase se sente a partida
Como se alguma coisa se pudesse ainda sentir,
Naqueles canteiros húmidos de indecisão…
Se se pudesse sentir,
Não estaríamos quase, quase de partida
Porque onde a partida quase, quase se sente,
Já tudo o mais deixou de ser sentido.
Ou quase, quase…
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RESQUÍCIOS
Invade, à noite, o palco dos sentidos
Uma memória turva e pendular.
Exumam-se palavras que sorriem
Na aridez de todos os passados
E silencia-se o sabor neutro
De um presente que desliza
Mais ou menos suavemente,
Conforme o sal do momento.
Cai o pano sobre as pálpebras do sonho
Assim que a lucidez exige o disparo das mãos.
Urbano, o Homem percorre as calçadas
De um tempo ainda insurrecto e mal adivinhado.
Como querias tu que eu te falasse
Dos passados que me foram subtraídos
Pela monotonia das horas previsíveis?
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REALIDADE E REPRESENTAÇÃO
Calcula-se no centro,
Traçado a compasso ou fio-de-prumo
Sobre o imenso planeta da sua indecisão.
Sente-se ali, no âmago
De todas as coisas perceptíveis.
Além, a vida continua,
Descontinuamente paradoxal,
Comandando cada caos a toque de sinapses,
Carbono e enxofre primário
No recomeço de cada concepção lunar.
A “cosa” tocada
- não a sua representação! –
Permanece e cala mais fundo.
Ah! A metafísica importância dos sentidos…
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SÓ POR ISTO...
Só por lhes ter tapado os ouvidos
Como se a guerra tivesse acabado de morrer
E ter seguido na perpendicular da minha sombra,
Só por este empeno de nunca ter tempo,
De ter uma vontade cujo leme encravou,
Cuja âncora ousei desprezar
Nos longes de um oceano de poemas,
Só por este medo de nunca ter medo,
Este (não) querer repousar na solidão de mim
Nas águas baptismais de um mar
Que ninguém ainda descobriu,
Só por esta trajectória espiralada
- de fora para dentro... -
Onde o tempo se projecta
Nas infinitudes da paz centrifugada
E nos cúmulos luminosos
Das nuvens do pensar,
Só por este morrer e acordar,
Acordar e morrer sem nunca saber
- de absoluta certeza, rigorosa
e cientificamente comprovada... -
Se as fronteiras se medem na solidez dos ossos
E na largura das carnes,
Ou na profundidade de um olhar
que (nem) todos entendem estar perdido...
Maria João Brito de Sousa - 21.07.2009
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MISTÉRIOS DE CANETA
Nos cabelos das ondas,
Nos lençóis de areia,
Nas luas de papel
Que os dedos das horas
Recortaram, sem saber,
Nas estrelas que a maré semeia
De infinitos tentáculos,
Aí, percorridos os minutos, um a um,
Cristalizam-se os mistérios improváveis
De cada paixão por conceber
E nenhum sonho aceita os impossíveis.
A caneta, rolando,
Absolve a inevitabilidade de todas as mortes.
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DESCAMINHOS
Depois de perdido
No labirinto dos olhares do mundo,
Arrancado aos eixos de um tempo linear,
Afogado nas horas disfarçadas de azul-celeste...
Depois de devidamente
Arrancadas as raízes,
Podados os ramos do sentir,
Colhidos os frutos que podiam ser úteis,
Apontaram-lhe
O caminho politicamente correcto
Na direcção do cativeiro travestido de sorrisos.
Nesse mesmo dia,
Desenraizado,
Despojado de frutos,
Despido de sonhos,
Amputado de afectos
E devidamente encaminhado...
Aprendeu a voar por dentro.