CADA ÁTOMO DE MIM
CADA ÁTOMO DE MIM
*
Cada tábua que piso
Nesta toca,
Cada silêncio
Que reconquistei,
Cada parede
À beira do abismo
Destas mãos na loucura de voar,
Cada lágrima
Em mim jamais chorada
Que irrompe num verso interrompido,
Cada átomo de mim
Neste pulsar cá dentro,
É para mim.
O resto é teu!
*
Maria João Brito de Sousa– 29.01.2011 – 22.33h
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PARA QUE CONSTE
Para que conste;
Eu tenho veias, carne
E sonhos como os vossos
Mas jamais escreverei
Sobre estrelas
Que não tenha conhecido desde sempre
Um longo esteio de velas desfraldadas
Nos murmúrios de um imaginário-racional
Precede o olhar com que contemplo o mundo
Para vo-lo devolver um pouco menos mau
Não aceito,
Para que conste,
Que um único de vós me acuse de um ócio
Engendrado por mentes saciadas
[muito embora inconscientes
da sua futilidade]
Para que conste,
Produzo
Tanto ou mais
Do que as mãos de outro qualquer
E consumo
Invariavelmente menos
Do que o corpo ou a mente
Da maioria de vós
Para que conste,
Por vezes as tardes doem-me
Como folhas de Outono
No mármore do tempo
Mas nenhum medo me conquista o estro
Enquanto acreditar
[PARA QUE CONSTE]
Maria João Brito de Sousa – 23.10.2010 – 23.14h
Na fotografia - Eu, ao colo da Aurorinha.
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DIAS...
Despenham-se na acidez das manhãs
Íngremes e imprevisíveis
Como as águas de Abril,
Condensando-se,
Depois,
Em amarelos muito claros
Vejo-os na semi-lucidez do acordar,
Antes da lenta queda
Do elevador singular
E intermitente
Voltam,
Depois,
Suspensos no mel
Dos olhos dos gatos omnipresentes
E dispersam-se por todos os lugares nenhuns
Com urgências de pólenes ao vento
Caem, por vezes,
Como inexplicadas pedras
No interior das confortáveis ausências
Que se sublimam em alegres,
Subversivas criações
Prolongam-se na comunicação
Em gargalhadas
Ou muito raras lágrimas
[conforme o cerne das alheias horas]
Na mesa concêntrica onde se cozinham percursos
Enquanto se bebem demorados cafés
Continuam,
Sempre,
Até soçobrarem,
A Oeste de mim,
No azul líquido
Que se veste de luminosidades artificiais
E morrem,
Inevitavelmente,
No momento pendular de todas as renúncias
Renascerão mais tarde,
Um a um,
No imprevisível sopro da permanência consentida.
Maria João Brito de Sousa
NA FOTOGRAFIA - A minha mãe, eu, com dez anos, e a minha irmã, Maria Clara.
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LÁ LONGE...
Porque lá longe,
Aonde nunca os via,
Eram meras silhuetas esfumáveis
Ao mais pequeno sopro da vontade
Aí, aonde perfeitamente
O presente os colocara
Talvez viessem a poder salvar-se
De serem contemplados
Com os olhos lúcidos
De uma inevitável avaliação
Execrava
Qualquer tipo de manipulação
Abominava
Todas as duplicidades
De que os fracos necessitam
Para poderem sentir-se fortes
[mesmo que nunca o reconheçam
e se acreditem bem intencionados]
Por isso,
Lá longe,
Onde a sua piedade os colocara
Seria sempre
O único local possível
Para os proteger
Da sua própria estupidez
Segundo o olhar implacável
Da lucidez de um julgamento imparcial
Maria João Brito de Sousa – 26.09.2010 – 12.35h
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ABUTRES E BEIJA-FLORES
Via-os por ali
Hilariantes,
Patéticos fantasmas de abutres
Babando-se de incontida curiosidade
Via-os
Quando se dava ao trabalho de olhar,
Se se dava ao trabalho de olhar
Inacreditáveis somatórios
De infortúnio e pobreza
Muito bem vestidos,
Muito míopes,
Muito desequilibrados,
Muito bêbados
Muito opinativos
E muito pouco inteligentes
Umas vezes
Irritavam-no,
Noutras
Enchiam-no de pena
Alguns,
Mais puros
Do que o bando comum
Pousavam devagarinho
E ficavam
Na imobilidade nervosa
Da sua timidez.
Pequenos beija-flores
Que não chegavam
A beijar coisa nenhuma,
Raros,
Silenciosos,
Bem-intencionados
E belos
Na esmagadora maioria
Dos dias
Nem sequer os via
Muito embora por lá continuassem
Simulando
Uma indiferença
Que só a ele
Legitimamente pertencia.
Maria João Brito de Sousa – 29.08.2010 – 01.54hs
IMAGEM - Stuart Carvalhais
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AONDE A RAZÃO TE NÃO RESOLVE
Sinto-te
Aonde a razão te não resolve
E o silêncio te desenrola
As infinitas páginas
De um tempo universal
Vejo-te
Como se não fosses
Ou fosses
Mas, não sabendo,
Te limitasses a estar
Oiço-te
Como se a tua essência fosse o som
E som
Fosse tudo o que tu és
Se te não sentisse,
Se te não visse,
Se em vez de te ouvir
O silêncio
Te pintasse de tons invisíveis
E a razão te explicasse
Se não estivesses mesmo…
De onde me viriam estas minhas palavras?
Maria João Brito de Sousa – 27.08.2010 – 00.14h
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EVIDENTEMENTE...
Bastar-nos-á entretê-lo
De quando em vez
Com um prato de lentilhas
E meia dúzia de palmas ensaiadas.
Será quanto baste
Pois é louco, o pobre…
Como poderia não o ser
Se foi sua a escolha de sobreviver
No limbo do humano conforto?
Por isso
Nos bastará entretê-lo
Na mansidão do seu imaginário
Antes que acorde…
Antes que rosne
E possamos descobrir
Que os pobres somos nós
E que o limbo
É esta dependência
Dos humanos recursos que nos movem
Enquanto regurgitamos
Certezas
E sentenças
Que, evidentemente,
Serão sempre as mais correctas
Evidentemente!
Maria João Brito de Sousa
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NÃO TENHO MEDO DO TEMPO!
Não tenho medo do tempo
Porque o tempo recomeça
Sempre que bem lhe apeteça
Sem que ninguém o impeça!
Portanto digo;
“Se abrando,
Ficam-me as horas trocadas,
Fica tudo às três pancadas
E perco tempo…
Lamento;
Tenho pressa, muita pressa
E nenhum medo do tempo!”
Maria João Brito de Sousa – 11.07.2010 – 20.59h
IMAGEM - Pormenor de uma tela de Salvador Dali (retirado da internet)
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O HOMEM QUE, URGENTEMENTE, PRECISAVA DE COORDENADAS
Coordenadas
Dêem-lhe coordenadas
Antes que se perca
Ou antes que o mundo
O perca a ele
Apontem-lhe caminhos,
Forneçam-lhe bússolas,
Relógios,
Sinais de trânsito
E amores
Daqueles que se vendem
E se regateiam
Mas, antes de mais,
Forneçam-lhe as tais coordenadas
Não vá
Evaporar-se no ar,
Dissolver-se nos rios,
Sublimar-se no éter
Sem que alguém tenha,
Pelo menos,
Tentado mantê-lo uno,
Dentro
Do convenientíssimo invólucro
Que alguém se esqueceu de selar…
Maria João Brito de Sousa – 04.07.2010 -23.49h
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ANTES DE MIM
Meu destino lunar traçaste-o Tu
No lapso em que nasci
Urgente e nua
Em busca de alcançar
Estrela Polar…
Talvez antes,
Muito antes do momento
Da minha criação
Em traje humano...
Talvez mesmo antes de Eva,
Antes de Adão,
(Que o destino
Precede a criação...)
Talvez antes ainda
De abraçar
Humana condição…
Talvez antes de mim eu fosse lua…
Maria João Brito de Sousa