JUÍZOS
Quando as mil gotas de água
da clepsidra
transmutadas em Tempo
nos julgarem
no tribunal
de um escólio já expurgado
virão,
dos muitos olhos que nos lerem,
juízos
mais ou menos razoáveis
que esse distanciamento proporciona
Nesse entretanto,
alguns nada verão
e os outros...
mil imagens desfocadas
por espelhos reflectindo o que contêm
Maria João Brito de Sousa – 15.12.2010 – 00.49h
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CHÃO DE MIM
Toco este chão
Com olhos de quem beija
E sei que não embarcarei
Mais vez nenhuma
Chão de mim
Em mutação constante
Que outra força
De mim te afastaria?
Constantemente o toco
Com mãos ocas de um nada
Que despejo
E depois recolho
Cheias de um tanto
Que só eu desvendo
Por isso sei
Que não embarcarei
Enquanto as mãos
Puderem sentir
E pressentir
O chão que me deu vida
Maria João Brito de Sousa
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PARA QUE CONSTE
Para que conste;
Eu tenho veias, carne
E sonhos como os vossos
Mas jamais escreverei
Sobre estrelas
Que não tenha conhecido desde sempre
Um longo esteio de velas desfraldadas
Nos murmúrios de um imaginário-racional
Precede o olhar com que contemplo o mundo
Para vo-lo devolver um pouco menos mau
Não aceito,
Para que conste,
Que um único de vós me acuse de um ócio
Engendrado por mentes saciadas
[muito embora inconscientes
da sua futilidade]
Para que conste,
Produzo
Tanto ou mais
Do que as mãos de outro qualquer
E consumo
Invariavelmente menos
Do que o corpo ou a mente
Da maioria de vós
Para que conste,
Por vezes as tardes doem-me
Como folhas de Outono
No mármore do tempo
Mas nenhum medo me conquista o estro
Enquanto acreditar
[PARA QUE CONSTE]
Maria João Brito de Sousa – 23.10.2010 – 23.14h
Na fotografia - Eu, ao colo da Aurorinha.
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LÁ LONGE...
Porque lá longe,
Aonde nunca os via,
Eram meras silhuetas esfumáveis
Ao mais pequeno sopro da vontade
Aí, aonde perfeitamente
O presente os colocara
Talvez viessem a poder salvar-se
De serem contemplados
Com os olhos lúcidos
De uma inevitável avaliação
Execrava
Qualquer tipo de manipulação
Abominava
Todas as duplicidades
De que os fracos necessitam
Para poderem sentir-se fortes
[mesmo que nunca o reconheçam
e se acreditem bem intencionados]
Por isso,
Lá longe,
Onde a sua piedade os colocara
Seria sempre
O único local possível
Para os proteger
Da sua própria estupidez
Segundo o olhar implacável
Da lucidez de um julgamento imparcial
Maria João Brito de Sousa – 26.09.2010 – 12.35h
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ABUTRES E BEIJA-FLORES
Via-os por ali
Hilariantes,
Patéticos fantasmas de abutres
Babando-se de incontida curiosidade
Via-os
Quando se dava ao trabalho de olhar,
Se se dava ao trabalho de olhar
Inacreditáveis somatórios
De infortúnio e pobreza
Muito bem vestidos,
Muito míopes,
Muito desequilibrados,
Muito bêbados
Muito opinativos
E muito pouco inteligentes
Umas vezes
Irritavam-no,
Noutras
Enchiam-no de pena
Alguns,
Mais puros
Do que o bando comum
Pousavam devagarinho
E ficavam
Na imobilidade nervosa
Da sua timidez.
Pequenos beija-flores
Que não chegavam
A beijar coisa nenhuma,
Raros,
Silenciosos,
Bem-intencionados
E belos
Na esmagadora maioria
Dos dias
Nem sequer os via
Muito embora por lá continuassem
Simulando
Uma indiferença
Que só a ele
Legitimamente pertencia.
Maria João Brito de Sousa – 29.08.2010 – 01.54hs
IMAGEM - Stuart Carvalhais
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SOLIDÃO
Fecho-me em solidão.
Sei lá porquê!
Há dias em que o céu me sabe a pouco
E as ondas salgadas
Não fazem outro sentido
Que não esse mesmo sentido
De serem ondas
E serem salgadas.
A velha e doce solidão
Tem a vantagem
De estar sempre à disposição
Das minhas indigestões de quotidiano
E abre
Cortesmente
A porta
Às pequenas alegrias
Que virão mais tarde …
Além do mais,
Quem disse que a solidão
- essa que dizem, magoa… -
Poderia existir
Depois dos poemas que ainda não morreram?
Maria João Brito de Sousa – 19.07.2010 – 19.47h
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EVIDENTEMENTE...
Bastar-nos-á entretê-lo
De quando em vez
Com um prato de lentilhas
E meia dúzia de palmas ensaiadas.
Será quanto baste
Pois é louco, o pobre…
Como poderia não o ser
Se foi sua a escolha de sobreviver
No limbo do humano conforto?
Por isso
Nos bastará entretê-lo
Na mansidão do seu imaginário
Antes que acorde…
Antes que rosne
E possamos descobrir
Que os pobres somos nós
E que o limbo
É esta dependência
Dos humanos recursos que nos movem
Enquanto regurgitamos
Certezas
E sentenças
Que, evidentemente,
Serão sempre as mais correctas
Evidentemente!
Maria João Brito de Sousa
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O HOMEM QUE, URGENTEMENTE, PRECISAVA DE COORDENADAS
Coordenadas
Dêem-lhe coordenadas
Antes que se perca
Ou antes que o mundo
O perca a ele
Apontem-lhe caminhos,
Forneçam-lhe bússolas,
Relógios,
Sinais de trânsito
E amores
Daqueles que se vendem
E se regateiam
Mas, antes de mais,
Forneçam-lhe as tais coordenadas
Não vá
Evaporar-se no ar,
Dissolver-se nos rios,
Sublimar-se no éter
Sem que alguém tenha,
Pelo menos,
Tentado mantê-lo uno,
Dentro
Do convenientíssimo invólucro
Que alguém se esqueceu de selar…
Maria João Brito de Sousa – 04.07.2010 -23.49h